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"SABE QUE NÃO SABE?" - Artigo de Matus para a Folha de S.Paulo em 1996

  • Foto do escritor: Pedro Ferrão
    Pedro Ferrão
  • 7 de jan. de 2020
  • 3 min de leitura

Em artigo escrito por Carlos Matus e publicado pela Folha de S.Paulo em 9 de Junho de 1996, o economista chileno comenta sobre uma das maiores dificuldades dos políticos tradicionais e aborda a importância das Ciências e Técnicas de Governo. Confira o artigo a seguir:

"Sabe que não sabe?

CARLOS MATUS

Confia na inteligência e experiência para se diferenciar pelos resultados e desvaloriza as ferramentas de governo por não as conhecer. Os partidos políticos e os meios de comunicação fazem o mesmo. Apoiam ou rejeitam o projeto de um governante sem considerar a organização primitiva de seu gabinete, o cerco especializado de técnicos que o rodeiam e impedem o processamento tecnopolítico das decisões, a separação brutal entre técnica e política no estado-maior do governo, a inexistência da prática de tomada e prestação de contas por desempenho ou a debilidade da monitorização da gestão pública.



O economista chileno, Carlos Matus
Carlos Matus

Governa-se com ferramentas pobres e impotentes para modernizar o aparato público. Os grandes problemas nacionais são declarados como "parte da paisagem", enquanto os executivos sobrevivem entre montanhas de papéis e pequenos problemas, o que basta para que se sintam importantes. Perde-se a visão global e ninguém avalia periodicamente a marcha do governo.

Ninguém se atreve a incomodar o líder com uma avaliação crítica por temer a perda de prestígio frente ao governante solitário, apoiado calidamente por seus guarda-portas, sem alternativas de método de trabalho. O líder perde estatura. As circunstâncias governam os governantes. Isso tem acontecido com políticos inteligentes, experimentados e honestos. O que ocorre?

A disciplina denominada ciências e técnicas de governo põe o dedo na ferida. Não se pode bem governar apenas com bons profissionais de nível superior. São necessárias equipes que dominem ciências e técnicas de governo ou tenham a humildade de aprendê-las. Essas ciências e técnicas potencializam a arte do político, ainda que não a substituam. O governante deve administrar três grandes variáveis: o projeto de governo, a governabilidade necessária a seu projeto e a capacidade de governo.

Esse triângulo constitui um sistema dominado pela capacidade de governo. Aí está a chave. Sem capacidade de governo não se formula um bom projeto, nem se administra com perícia a governabilidade. A capacidade de governo se prova no manejo de três balanços chaves: 1) o balanço da gestão política, em que se administra o poder político como recurso escasso; 2) o balanço da gestão econômica, em que prima a escassez de recursos econômicos; 3) o balanço de intercâmbio de problemas, que trata das questões cotidianas que as pessoas valorizam.


Infográfico - os 3 Cintos de Governo

A seleção da agenda do governante constrói de antemão a possibilidade do manejo inteligente dos três cintos de governo. Se o governante improvisa, com base em sua experiência e arte, apenas por acaso conseguirá um ajuste compensatório dos três cintos. Ao contrário, o planejamento estratégico público moderno, a principal ferramenta do governante, permite manejar e monitorar os resultados obtidos pelo governo e realizar o cálculo de previsão sobre o manejo dos três cintos.

Na América Latina, presidentes foram destituídos por apertarem, simultaneamente, os três cintos de governo, por barbarismo político ou tecnocrático. Existem, também, presidentes descapitalizados por não se atreverem a apertar um cinto e compensá-lo com o manejo dos outros. Existem presidentes que caminham rumo ao abismo ou à mediocridade, sem sabê-lo, dominados pela improvisação e pela rotina diária. Não sabem que não sabem, mesmo quando sabem muito da micropolítica. Apenas se surpreendem com os resultados que alcançam e, certamente, não buscam. "


Apesar de escrito em 1996, o artigo continua muito atual!

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